Os avanços tecnológicos e o aprimoramento dos manejos aplicados à bovinocultura de leite estão chegando cada vez mais à região Nordeste do Brasil, principalmente ao estado do Ceará. Talvez tenha sido uma região deixada de lado por muito tempo, mas com as fronteiras agropecuárias mais limitadas em demais locais, o Nordeste tornou-se o foco da expansão e crescimento em produção de leite. Pode-se confirmar este fato com os dados anuais de captação de leite do Ceará, que crescem acima dos 10% aa.
A categoria mais beneficiada com a aplicação das novas tecnologias com certeza são as vacas em lactação, já que são elas que pagam a conta da fazenda e fazem os olhos dos proprietários brilharem. Mas não podemos esquecer de onde tudo começa: as bezerras.
O impacto do manejo das bezerras na produtividade futura
É preciso deixar claro que, por mais que ainda não sejam animais produtivos de fato, todo o investimento feito na melhoria do desempenho das bezerras na fase de aleitamento tem reflexo direto na vida produtiva do animal adulto, não somente na primeira lactação, mas também nas lactações subsequentes.
O sucesso da fase de aleitamento das bezerras é uma soma de vários fatores e a bezerra começa muito antes dela nascer. Os programas de melhoramento genético vêm ganhando muito espaço no Ceará, com escolha de touros provados, aumento do grau de sangue holandês nos acasalamentos e avanços de tecnologias como IATF e TETF.
Quando melhoramos a qualidade genética do rebanho, consequentemente temos animais mais exigentes e que necessitam de ambientes mais controlados para expressar seu máximo potencial genético.
Grande parte dos rebanhos leiteiros nordestinos ainda são criados a pasto, o que dificulta, na maioria das vezes, um bom manejo de pré-parto e maternidade. O que costuma acontecer é que os animais secos gestantes ficam em piquetes mais distantes, com pouca oferta de forragem e muitas vezes até sem o a um sal mineral adequado para a categoria.
Sabe-se que quando proporcionamos conforto para vacas secas gestantes e conseguimos realizar uma dieta pré-parto adequada, as vacas têm menos complicações no parto, as bezerras nascem com maior vigor e a probabilidade de a vaca produzir colostro em quantidade e qualidade é maior. Portanto é fundamental que as vacas com menos de 30 dias antes da data prevista de parto sejam tratadas de maneira adequada:
- local que proporcione conforto térmico,
- o a água a vontade,
- dieta aniônica eficiente,
- um local de parto limpo e tranquilo.
Cuidados essenciais no pré-parto e no nascimento
O confinamento de vacas leiteiras no sistema de compost barn está se tornando realidade para as propriedades que desejam se tecnificar no Ceará. Quando bem manejado, esse sistema proporciona uma grande melhoria em questões de conforto para os animais, melhorando o desempenho zootécnico dos animais, seja em aumento de leite como melhora na reprodução.
Entretanto, os barracões são destinados muitas vezes apenas para os animais em lactação e as vacas secas gestantes e vacas de pré-parto continuam sendo negligenciadas, refletindo em bezerras mais leves, com menor desempenho zootécnico não só durante a fase de aleitamento, mas durante toda sua vida.
Sabendo que as bezerras nascem sem imunidade ativa, o manejo de colostro e colostragem é um grande gargalo na criação de bezerras. Vale ressaltar que conseguimos diferenciar estratégias nutricionais caso a bezerra tenha sido bem colostrada. Ou seja, se houver deficiência na istração de colostro e transferência da imunidade iva (TIP), o desempenho nutricional ficará aquém do máximo potencial e mesmo trabalhando com um sistema de aleitamento intensivo.
Além disso, a morbidade e mortalidade de bezerras com baixa eficiência de colostragem é maior quando comparada a animais que tiveram manejo adequado. O sucesso da colostragem compreende 3 pontos chave:
- Quantidade – 15% do peso ao nascer, istrado em duas mamadas; tempo – primeira mamada até 2h após nascimento e segunda mamada entre 6 e 8h após o nascimento;
- Qualidade – avaliação da quantidade de imunoglobulinas (acima de 50mg/mL ou 22% Brix), higiene (<100.000 UFC/mL);
- Temperatura adequada (39°C).
Qualquer falha na TIP está associada a um erro dentro desses 3 pontos cruciais.
Muitos se esquecem que no nascimento uma porta de entrada aberta para microrganismos patogênicos é o coto umbilical. Portanto é fundamental garantir um local de parto limpo, possibilitando menor chance de contaminação assim que a bezerra nasce, e cuidar da cura do umbigo já nos primeiros minutos de vida do animal. O produto mais indicado para fazer a cauterização química do coto umbilical é o iodo 10% ou tintura de iodo.
É recomendado usar um copo tipo de dipping sem retorno, usar uma dose para cada cura de umbigo e descartar o que sobrou no copo. Lembrando que na região nordeste há bastante luminosidade e calor e esses dois fatores podem afetar negativamente a eficiência do iodo 10%. Portanto é necessário cuidado redobrado no local e forma de armazenamento do iodo, já que ele perde eficiência caso fique exposto a luz por tempo prolongado.
A aplicação de iodo deve ser feita duas vezes ao dia, por pelo menos 3 dias seguidos ou até cair completamente o coto umbilical. Uma maneira de avaliar a cura de umbigo é fazer a palpação umbilical, identificando animais que tenham inchaço na região do umbigo como animais com falha na cura.
Protocolos de aleitamento e estímulo ao consumo precoce
O manejo da dieta líquida é extremamente importante para o sucesso da criação de bezerras. Existem vários protocolos de aleitamento e tipos de dieta líquida disponíveis. O que vemos predominante nos bezerreiros do nordeste é o uso de leite comercializável ou leite de descarte, num volume fixo de 6L/dia. Poucas propriedades fazem o processo de pasteurização do leite antes de fornecer para as bezerras, o que acaba aumento o risco de transmissão de doenças através do aleitamento.
Buscando minimizar a contaminação e também destinando mais leite para o tanque de comercialização, os produtores tem usado o substituto lácteo como alternativa ao leite integral ou leite de descarte e quando bem istrado o ganho de peso das bezerras chega a 0,900kg/dia, mesmo em pequenas propriedades com animais azebuados, onde o ganho de peso é menor.
Importante ressaltar que bezerras necessitam de rotina assim como as vacas: se fornecermos constância no aleitamento elas respondem com maior desempenho. Nesse sentido é importante sempre monitorar a quantidade de sólidos da dieta líquida, garantir sempre a mesma temperatura de fornecimento e também cumprir com os horários de aleitamento estabelecidos na fazenda.
Ainda existe no nordeste nos deparamos com um pensamento de que as bezerras não precisam de água nos primeiros dias de vida, o que é completamente equivocado. Quanto mais cedo estimularmos o consumo de água e ração, mais rápido ocorre o desenvolvimento ruminal e a desmama pode ser mais precoce e menos desafiadora para o animal. Portanto é fundamental planejar instalações em que haja ração e água a vontade para as bezerras desde o primeiro dia de vida. Além disso, é fundamental estimular o consumo, ensinar onde está o cocho de ração e onde fica o bebedouro.
Grande parte dos bezerreiros são no modelo de “bezerreiro tropical”, que funciona bem durante o período seco, chamado de “verão” nordestino. Mas da mesma maneira que em outras regiões, esse modelo é um grande desafio durante o período chuvoso, que acontece normalmente entre fevereiro e maio, usando como base o estado do Ceará.
Este período desafiador, chamado na região de “inverno”, traz prejuízos para a produção leiteira: aumento nos casos de mastite, consequentemente maior uso de leite de descarte para as bezerras; aumento nos casos de diarreia e pneumonia no bezerreiro tropical; aumento de moscas e maior transmissão de ceratoconjuntivite. Esses são problemas mais difíceis de contornar, mas também identificamos alguns problemas estruturais desse tipo de instalação que precisam ser ajustados.
Ajustes no bezerreiro tropical para minimizar perdas
Muitos bezerreiros tropicais usam o balde aberto para oferecer a dieta líquida. Esse tipo de utensílio facilita e agiliza bastante o aleitamento e a limpeza, porém a desvantagem é a maior chance de pneumonia por aspiração e também a mamada cruzada entre os animais, principalmente em instalações mal projetadas.
Outro erro comum nesse sistema de criação é o tipo de sombra. O sombrite deve ser instalado a pelo menos a 2,40m de altura, para proporcionar a sombra e permitir adequada ventilação, sem acumular calor abaixo do sombrite. O excesso de sombra, quando há por exemplo árvores no bezerreiro, também é um desafio durante o período chuvoso, já que a água demora mais para evaporar e os animais am mais horas em ambiente úmido. Para esse tipo de instalação, devemos lembrar que o sol é um grande aliado, permitindo um local mais seco e ajudando a eliminar os agentes patológicos do ambiente.
O fato é que a região nordeste vem se especializando e melhorando as condições de produção em todos os aspectos, principalmente pensando em vacas em lactação. Mas melhorando para as vacas, consequentemente teremos bezerras melhores, que necessitam de mais cuidados.
Aqui nós citamos os pontos desafiadores mais comuns que observamos no dia a dia do campo, mas com uma boa assistência técnica é possível direcionar o trabalho e mão de obra para o maior gargalo dentro de cada propriedade.