Você já parou para pensar por que o milho reidratado é uma técnica amplamente utilizada em Minas Gerais, mas menos comum em outros Estados do Brasil e do mundo? Em visitas a fazendas no Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná, é difícil encontrar produtores que adotem essa prática. Nessas regiões, o milho úmido – colhido com alto teor de umidade, diferentemente do milho reidratado, que recebe água após ser colhido seco – é um pouco mais comum, mas ainda assim não amplamente utilizado.
Curiosamente, o Sul do Brasil possui a maior média de produtividade leiteira do país. Fatores como melhoramento genético e clima favorável certamente influenciam esse desempenho, mas é um fato: os produtores da região Sul não dependem do milho reidratado para alcançar resultados expressivos. Vale destacar que, assim como em Minas Gerais e em outras partes do país, os produtores do Sul também utilizam o milho duro.
Nos Estados Unidos, maior player de produção de leite do mundo com eficiência e tecnologia, o uso do milho reidratado é praticamente inexistente. Lá, o milho do tipo macio predomina, o que reduz a necessidade de técnicas para melhorar sua digestibilidade. Ainda assim, qualquer aumento na digestibilidade do amido seria bem-vindo, já que o objetivo é aproveitar ao máximo o amido no rúmen, minimizando perdas pelas fezes. Mesmo com essa vantagem potencial, a técnica de reidratação do milho não ganhou popularidade no país.
A justificativa para a difusão da prática de reidratação no Sudeste brasileiro normalmente está relacionada ao aumento da digestibilidade do amido no rúmen. Digestibilidade refere-se à quantidade de nutrientes que o organismo do animal consegue aproveitar; o objetivo é reduzir ao máximo as perdas pelas fezes. Por isso, alguns técnicos realizam análises de amido fecal, coletando amostras para avaliar quanto do amido ingerido está sendo desperdiçado.
O ideal seria que a porcentagem de amido nas fezes fosse zero, mas, como isso não é viável, o parâmetro aceitável gira em torno de valores inferiores a 5%. No entanto, a análise de amido fecal apresenta desafios. A maneira como a amostra de fezes é armazenada e o tempo de transporte até o laboratório podem influenciar os resultados, pois o amido presente nas fezes pode ser degradado, resultando em subestimativas.
Outro ponto crucial é identificar a origem do amido encontrado nas fezes. Como a silagem de milho é o principal volumoso em sistemas intensivos de produção de leite, o amido mal processado da silagem pode ser o responsável pelas perdas, e não necessariamente o amido do milho seco ou reidratado/úmido.
“Mas e o ganho em digestibilidade? Quando substituo o milho fubá pelo milho reidratado, não vejo grãos de milho nas fezes.”
Terminei a parte 1 do artigo com essa pergunta, e agora vamos aprofundar a discussão. Mas antes, um desafio: utilize o software do NASEM (2021) para inserir os dados reais das vacas e dos alimentos fornecidos (nada de usar bibliotecas padrão; análises atualizadas são essenciais, especialmente para volumosos e coprodutos). Verifique o balanço de energia da dieta.
O que frequentemente observo? Dietas desbalanceadas, geralmente com excesso de energia e deficiência de proteína metabolizável ou aminoácidos para atender às metas de produção. Quando o técnico substitui milho fubá por milho reidratado na proporção 1:1 na matéria natural, ele reduz a energia da dieta simplesmente porque o milho reidratado tem menor matéria seca (exemplo: 88% vs. 65%). Se as vacas mantêm a produção de leite, a conclusão rápida é que o milho reidratado "compensou" pelo aumento da digestibilidade. Na verdade, o que ocorre – na grande maioria das vezes - é um ajuste na energia da dieta – algo que também poderia ser feito ajustando o milho fubá, caso tivéssemos análises precisas da silagem e coragem para fazer isso.
Sem análises atualizadas, pecamos pelo excesso. Esse erro reflete no elevado escore corporal das vacas e nas dificuldades de reprodução e saúde, como doenças metabólicas no pós-parto. É preciso reforçar que nutrição é o capitão do time: se errarmos aqui, todas as outras áreas serão impactadas.
O que dizem os estudos sobre milho reidratado?
Apesar da popularidade do milho reidratado, ainda há poucos estudos nacionais publicados em revistas científicas utilizando vacas em lactação. Como nos EUA essa técnica não é usada – o milho macio de lá já apresenta maior digestibilidade, as respostas precisam vir de pesquisas conduzidas no Brasil. Felizmente, instituições como UFLA, USP e UFV têm explorado o tema utilizando vacas em lactação, e apresento aqui alguns achados.
1. Estudo 1: Arcari et al. (2016) USP
Avaliou o impacto da substituição parcial ou total do milho fubá por milho reidratado (0%, 33%, 66% ou 100%) em vacas leiteiras com produção média de 22 litros/dia, utilizando silagem de cana-de-açúcar como volumoso. O milho foi moído em peneira de 2 mm (tanto o fubá quanto o reidratado), e o milho reidratado foi ensilado por 90 dias. A dieta apresentava 25% de amido.
Resultados:
- Observou-se um efeito linear de aumento no CMS à medida que o nível de milho reidratado na dieta aumentava;
- Houve melhorias na digestibilidade da matéria seca e do amido da dieta conforme a inclusão de milho reidratado foi ampliada;
- Comparando as dietas com 0% e 100% de milho reidratado, as vacas alimentadas com milho reidratado produziram mais leite;
- Embora o estudo não tenha avaliado diretamente a eficiência alimentar, os cálculos sugerem os seguintes valores (produção de leite/CMS):
- 0% milho reidratado: 1,16
- 33% milho reidratado: 1,14
- 66% milho reidratado: 1,18
- 100% milho reidratado: 1,25
A EA foi mais alta com 100% de milho reidratado, indicando maior eficiência no uso dos nutrientes para produção de leite. Mas aqui não houve análise estatística.
Considerações: para vacas de baixa produção de leite consumindo silagem de cana-de-açúcar como volumoso, o milho reidratado moído a 2 mm e armazenado por 90 dias mostrou-se eficiente em aumentar a produção de leite. Isso se deve ao maior consumo e à melhora na digestibilidade proporcionada pelo processamento e armazenamento do milho.
2. Estudo 2: Castro et al. (2019) UFLA
Comparou milho reidratado moído a 3 mm e 9 mm, com silagem armazenada por 247 dias (umidade de 40%). Dietas bem formuladas (feno, caroço de algodão, tamponantes).
Resultados:
- Não houve diferença no consumo ou produção de leite entre as granulometrias;
- Rendimento de moagem foi maior com peneira de 9 mm (12 t/h vs. 4 t/h).
Considerações: Para eficiência operacional, a granulometria maior (9 mm) é preferível, mas o armazenamento prolongado (8 meses) foi essencial para melhorar a digestibilidade. Ou seja, se for usar peneira de 9 mm, a silagem de milho reidratada precisa ficar armazenada por mais tempo.
3. Estudo 3: Gomide et al. (2023) UFLA
Avaliou vacas a pasto (<20 L/dia) com milho fubá (moído a 1,5 mm) e milho reidratado moído em peneiras de 3 mm e 8 mm.
Resultados:
- Digestibilidade do amido foi maior para o milho fubá e milho reidratado moído a 3 mm;
- Amido fecal foi maior com milho moído a 8 mm (7%);
- Consumo de ração foi igual, mas vacas do milho reidratado 3 mm comeram menos pasto.
Considerações: Com vacas de baixa produção, os ganhos em digestibilidade do milho reidratado podem não justificar seu uso, especialmente com peneiras maiores (8 mm), mais comuns devido à agilidade e economia de energia.
4. Estudo 4: Martins et al. (2024) UFV (publicado no ADSA 2024)
Comparou milho fubá (3 mm), milho reidratado (3 mm) e milho úmido (híbrido de 88% vitreosidade). Silagens de milho reidratadas e/ou úmidas tinham 45% de umidade e 258 dias de armazenamento.
Resultados:
- Produção de leite corrigida para sólidos foi similar entre milho fubá e reidratado, mas maior com milho úmido;
- Eficiência alimentar foi semelhante entre os tratamentos;
- Sem efeito para digestibilidade ruminal e total da MS e amido.
Considerações: A menor vitreosidade do milho úmido (milho colhido antes da maturidade) pode explicar os resultados superiores em produção de leite para a dieta com milho úmido.
Faltam dados e sobram desafios
A pesquisa sobre milho reidratado em bovinos leiteiros no Brasil é escassa, muitas vezes limitada pela dependência de parcerias privadas que priorizam o desenvolvimento de produtos comerciais. Precisamos de mais estudos, especialmente em dietas com alto teor de amido, que têm se mostrado um desafio crescente para a saúde e longevidade dos rebanhos.
Os estudos nacionais compilados aqui sobre vacas em lactação reforçam um ponto essencial: não se deixe levar apenas pelas conclusões dos trabalhos científicos. A parte de material e métodos é indispensável para entender os detalhes que influenciam os resultados. Muitos dos ganhos reportados em digestibilidade e produção estão ligados a fatores específicos, como a moagem fina do milho ou longos períodos de ensilagem – condições nem sempre viáveis na prática de campo.
Por isso, vá além das conclusões. Analise os detalhes e adapte o conhecimento à realidade da sua propriedade. A nutrição é um componente-chave no desempenho do rebanho, mas para colher os melhores resultados, é necessário interpretar e aplicar os dados com base em uma visão completa e contextualizada.
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Referências
ARCARI, M.A; MARTINS, C.M.M.R.; TOMAZI, T.; GONC J.L.; SANTOS, M.V. Effect of substituting dry corn with rehydrated ensiled corn on dairy cow milk yield and nutrient digestibility. ANIMAL FEED SCIENCE AND TECHNOLOGY, 221, p.167–173, 2016.
CASTRO, L.P.; PEREIRA, MARCOS N.; DIAS, JULIA D.L.; LAGE, DOUGLAS V.D.; BARBOSA, EUGENIO F.; MELO, RICARDO P.; FERREIRA, K.; CARVALHO, J. T.R.; CARDOSO, F. F.; PEREIRA, R. A.N. Lactation performance of dairy cows fed rehydrated and ensiled corn grain differing in particle size and proportion in the diet. JOURNAL OF DAIRY SCIENCE, 102, p. 9857-9869, 2019.
FERNANDES, T.; SILVA, K.T.; CARVALHO, B.F.; SCHWAN, R.F.; PEREIRA, R.A. N.; Pereira, M.N.; SILVA A. C.L. Effect of amylases and storage length on losses, nutritional value, fermentation, and microbiology of silages of corn and sorghum kernels. ANIMAL FEED SCIENCE AND TECHNOLOGY, 285, p. 115227, 2022.
MARTINS, B.M.; BITTENCOURT, C.S.; SILVA, L.H.R.; DETMANN, E.; SILVA, A.L.; MARCONDES, M.I. ; ROTTA, P.P. Substituting dried ground corn with rehydrated corn or high-moisture corn with vitreous endosperm for lactating dairy cows. In: ADSA 2024, 2024, West Palm Beach. ADSA, 2024.