Ontem e anteontem, eu e pouco mais de 400 jovens — de todas as idades — deixamos o presente para viver uma experiência inédita: fomos visitar o futuro. Ou melhor, alguns futuros prováveis.
Laura Gastaldi, Torsten Hemme, Valter Galan e Rafael Junqueira nos receberam na primeira estação do futuro. Disseram que o mundo do leite brasileiro mudou. Lá no futuro, há menos empresas, menos produtores, mas mais produção. Isso aconteceu por meio de duas palavrinhas: eficiência e produtividade. A produção por hectare, por mão de obra e por vaca aumentou. E, mais que isso, nos tornamos mais competitivos também pela forma como enfrentamos os desafios ambientais, sociais e de governança.
Mas como chegamos a esse novo patamar? As respostas estavam nos futuros prováveis que visitaríamos em cada estação da viagem...
Na estação seguinte, conhecemos a vaca do futuro. Francisco Rodriguez nos apresentou a vaca tropical: uma versão geneticamente evoluída, com menor impacto ambiental. Rogério Carvalho Souza mostrou como intervir no segundo cérebro da vaca, o rúmen, para reduzir seu impacto e aumentar sua produtividade. E também como os sensores ajudarão cada vez mais a entender o comportamento e as reações desse ser complexo e inteligente que tanto amamos.
Nosso querido brasileiro que vive na Argentina, Cristian Chiavassa, nos ensinou a conversar com o ChatGPT e outras IAs, para que elas nos respondam realmente o que queremos saber. E colocou em xeque a forma atual de aprender. Precisamos saber um pouco sobre tudo, como hoje? Ou devemos descobrir o necessário conforme a necessidade de conhecimento surge?
Na estação seguinte, paramos para conhecer a fazenda do futuro. Marcos Epp demonstrou que buscar eficiência e produtividade dá retorno — com resultados que até a turma da Faria Lima precisa conhecer. José Garcia Pretto nos mostrou que a ordenhadeira do futuro pensa, sente e interage com a vaca, com o leite e com o produtor.
Maria Antonieta Guazelli e Ad van Velde — híbridos de produtores e líderes setoriais do futuro — mostraram que tudo o que vimos sobre a vaca e a fazenda do futuro era verdade. Mas era apenas a materialização do que já havia acontecido fora da porteira. O produtor do futuro cuida de seu negócio, mas também interage com outros produtores, participa da formulação de políticas públicas, da criação de leis e das regras do mercado. Ele se organiza institucionalmente. Afinal, o leite do futuro continua sendo um assunto de Estado. E, para atuar, é preciso cooperação. No futuro, uma andorinha ainda não faz verão... Lembrei-me desse ditado antigo — e ainda tão atual.
Na estação seguinte Diana Jank encontrou um jeito de tornar fácil o difícil. Fez como nossas mães e avós: contou historinhas simples, encantadoras, e nos guiou por diversos lugares do mundo do futuro, com paisagens lindas, vacas e pessoas felizes. Tudo natural, embalado em marcas.
Sim, as marcas do futuro não são mais produtos a serem comprados. São entidades com identidade! Cada uma tem sua trajetória, personalidade e propósito. Não são apenas consumidas — criam vínculos emocionais. Afinal, como já cantavam os Titãs há quarenta anos: "A gente não quer só comida, a gente quer comida, diversão e arte... a gente quer a vida!"
Depois, nos levaram a uma sala de cinema. Opa! A viagem no tempo incluiu um momento de diversão?
Visitamos um mundo sem vacas. Um mundo imaginário, não natural. Um mundo impossível. Afinal, Noé, em sua sabedoria, colocou vacas na Arca diante do dilúvio iminente.
Como Diana, o filme também contou historinhas — muitas! Com visões diferentes sobre esse ser mais parecido conosco do que imaginamos. Um ser sociável, que elege líderes, que é sensível e tem humor, que se comunica, reage ao que vive, sente amor e ódio, busca prazer e... pensa! Um ser que leva nove meses para se formar no ventre da mãe. Um ser complexo, que produz um alimento também complexo: o leite — sinônimo de vida.
O filme mostrou o valor da vaca para a vida humana, inclusive entre tribos primitivas que vivem hoje como há quatro mil anos. Visitamos o ado remoto e o presente, em diferentes regiões do mundo, compreendendo o que é esse ser em cada tempo e lugar. Também conhecemos a legítima visão vegana — sem filtros ou rancores. Jovens que cresceram com fraldas descartáveis, não recicláveis, mas são honestos e verdadeiros no que acreditam, baseando-se nas histórias que ouvem.
O filme também trouxe ciência. E aprendemos a fazer contas. Vaca é mesmo um animal de baixa conversão alimentar? Descobri que não. Saí convencido: o mundo precisa mais de vacas do que de humanos. Melhor, então, que estejamos juntos.
Fora da sala, além da Diana, estavam Michelle Michael e Brandon Whitworth — os produtores do filme. Uma raridade ouvir os criadores falando sobre a criatura. Fizeram um filme para quem não conhece vacas. Afinal, elas não estão em zoológicos nem safáris... O mundo urbano não sabe o que é uma vaca. E lá também estava Bruno Girão, talvez o executivo do setor lácteo que mais busca novas experiências em outros mundos terrenos.
Lembro bem quando, em 2016, no Interleite, lançamos o Ideas For Milk. Um silêncio geral. Senti que não me comuniquei bem. Ninguém entendeu. Eis que Bruno, da plateia, pede um microfone indisponível para dizer o quanto aquilo era importante. Foi o primeiro a entender o que viria com o Ideas For Milk. E ontem, contou como os veganos tentaram impedir a participação do IFC como sócio. Sem mágoas, sem rancores. Com reflexão.
Na estação seguinte, vimos soluções possíveis para as dores atuais. A primeira, da gestão, foi tratada por Alexandre Pedroso: como transformar a infinidade de dados gerados pelas fazendas em valor para a tomada de decisão? A segunda, sobre o mercado de carbono, foi abordada por Martha Baker e Laurent Micol: como alcançar o leite net zero e gerar receita com serviços ambientais?
A terceira dor: a desorganização das relações na frágil cadeia produtiva, foi tratada por Marcelo Carvalho. E a quarta: o capital escasso e caro — problema crescente numa atividade cada vez mais intensiva — foi debatida por Jacques Gontijo e Henrique Americano. Para mostrar que todas essas dores têm remédio, veio Diogo Vriesman, produtor do futuro, contar sua história vivida com a simplicidade dos sábios.
Durante a viagem no tempo, tivemos duas companhias inspiradoras. Uma foi Tamara Klink — que eu não conhecia, mas da qual virei fã instantâneo. Quero saber tudo o que pensa e faz. Eu, que me achava especialista em estratégia, agora a sigo. A outra foi Miguel Cavalcanti, que falou de gente, gente, gente. Conheci um novo Miguel. Em tempos de economia circular, encontrei um Miguel reciclado, regenerado — um Miguel do futuro. Quero me regenerar também, Miguel! Quero estar com você no futuro!
Ao longo dos meus quase 63 anos, vivi apenas três experiências que me fizeram não querer voltar para casa: Bonito (MS), Barcelona e... a viagem futurista do Milk Pro Summit. Saí de lá impactado. Queria escrever uma crônica. Não consegui — ficou um diário de bordo. Sem contar as conversas nos intervalos com os ageiros. Cada uma, uma aula. Falei pouco para aprender muito. E ainda não sei bem o que aprendi.
Mas ficou na mente a frase arrebatadora da jovem-madura Diana: “Se pensarmos apenas em mercado de nicho, orgânico, regenerativo e com alto valor agregado, a gente não alimenta o mundo. Mas, se pensarmos apenas em eficiência, não alimentamos a alma.”
Parabéns, Marcelo, pela coragem de ser disruptivo. Parabéns a esse time jovem e competente do MilkPoint. Parabéns às empresas que apostaram nesse projeto único: Alltech, De Laval, MSD, Alvoar, Italac, Lactalis, Piracanjuba, Porto Alegre e Verde Campo. Parabéns à Frísia, à Abraleite, ao Sindilat/RS e ao Sindileite/SP.
Agora que conhecemos os futuros prováveis, cada viajante está comprometido em ajudar a construí-los, com as lições que trouxe da viagem. O tempo dirá se seremos bem-sucedidos.
Mas antes do futuro pleno... quero voltar na próxima viagem. Estou cheio de dúvidas. Já tem data marcada?